Decorreu no dia 20 de janeiro de 2021 a cerimónia de tomada de posse do presidente Biden em Washington. A posse de um novo presidente norte-americano obedece a um cerimonial que se repete há séculos, desde que George Washington foi empossado em 1789.
A diferença entre o cerimonial americano e o das repúblicas europeias é que na América continuam a replicar-se os rituais que existiam nas monarquias europeias na altura em que declararam a independência.
Na Europa fizeram-se revoluções para derrubar monarquias e as tomadas de posse republicanas são cerimônias solenes, com um cerimonial simplificado e laico. Nos EUA preservou-se o modelo monárquico de transmissão de poder com um protocolo rigoroso, uma forte simbologia religiosa e participação ativa da família dos investidos. O título e o protagonismo dos consortes nas monarquias manteve-se, criando-se o cargo de “First Lady” ou Primeira-Dama.
Este ano, por causa da pandemia e dos tumultos recentes no Capitólio, foi preciso aligeirar a pompa e circunstância, mas manteve-se o que era essencial, focando a cerimónia no único momento verdadeiramente indispensável que consiste em prestar juramento sobre uma Bíblia. E o texto que Joe Biden disse – sem usar máscara, como prometera – é exatamente o mesmo desde 1789: “I do solemnly swear that I will faithfully execute the Office of President of the United States, and will to the best of my ability, preserve, protect and defend the Constitution of the United States.”
Vejamos como a pandemia e as extremas medidas de segurança afetaram esta cerimónia:
Não foram distribuídos os 20 mil convites para assistir à cerimónia apenas mil. Todo o espaço, antes ocupado pelo público, foi preenchido por um mar de bandeiras dos EUA e dos seus vários estados, que ondeavam ao vento, produzindo um efeito espetacular.
Como vem sendo tradição desde a tomada de posse de Thomas Jefferson em 1801, a banda da Marinha, foi responsável pela parte musical do evento, animando os convidados desde que que começavam a chegar. Para a entrada de cada uma das figuras de maior destaque tocavam um separador musical, seguido do anúncio solene do nome da entidade feito pelo mestre de cerimónias. Imediatamente a seguir as sentinelas de honra abriam as portas de acesso à tribuna. O primeiro a ter direito a este ritual foi Dan Quayle, antigo vice-presidente de George H. Bush, seguindo-se por ordem de antiguidade no exercício no cargo, os antigos Presidentes e cônjuges, Clinton, George W. Bush e Obama.
Em seguida entraram alguns Juízes do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, que têm precedência sobre os antigos presidentes, como acontece em Portugal, mas, nesta cerimónia especifica, são precedidos pelas famílias da Vice-presidente eleita e do Presidente eleito, os seguintes a entrar na tribuna. Seguiu-se o anterior Vice-presidente, Mike Pence e Mulher, que foram muito aplaudidos por respeitarem as tradições democráticas e protocolares, preferindo estar no Capitólio em vez de assistir à despedida pouco protocolar de Donald Trump para a Florida.
Antes da entrada da Vice-presidente eleita Kamala Harris, foi anunciada a chegada do Policia, que se destacou nos tumultos, ao desviar os invasores do Capitólio para uma zona diferente da que eles pretendiam. Este novo herói norte-americano, Eugene Goodman, foi escolhido para escoltar Kamala Harris e o seu marido, Doug Hemhoff até ao Capitólio.
Seguiram se os líderes do congresso de ambos os partidos. Todos eram acompanhados até aos seus lugares por um oficial da Marinha fardado, mas a maioria dos convidados preferiu ficar em pé, a conversar com os outros convidados, até ao início da cerimónia solene. Soube-se depois que todos tinham feito o teste do COVID e estavam todos negativos.
Com dezoito minutos de atraso em relação ao previsto, às 11.18 hora de Washington, Joseph R Biden Jr. entrou na tribuna acompanhado pela Mulher, que insiste em conservar o título de doutoramento e ser tratada por Drª Jill Biden, sendo muito aplaudidos.
A primeira pessoa a usar da palavra foi a senadora democrata Amy Klobuchar, membro da Comissão Parlamentar Conjunta sobre Cerimônias Inaugurais (JCCIC), responsável pela organização desta cerimónia de tomada de posse. O segundo discurso foi feito pelo presidente da mesma comissão, o Senador Republicano Roy Blunt.
Seguiu-se um momento de oração feito pelo Reverendo Padre Leo Jeremiah O’ Donovan, jesuíta e teólogo, que foi presidente da Universidade de Georgetown de 1989 a 2001 e que celebrou a missa de enterro do filho de Joe Biden em 2015.
Seguiram-se três momentos protocolares carregados de simbolismo. Em primeiro lugar o tradicional desfile das bandeiras dos Estados, cujos porta-estandartes ficaram perfilados no varandim do Capitólio, junto da bandeira nacional, até ao final da cerimónia.
O segundo momento aliou a tradição à modernidade com uma interpretação eletrizante do hino nacional por Lady Gaga. A cantora vestiu-se formalmente com um vestido de alta costura Schiaparelli e um alfinete de peito em forma de pomba dourada com um ramo de oliveira. Em Portugal não é permitido interpretações livres do hino nacional, que não se aplaude no final, mas nos EUA é uma tradição em diversas cerimónias.
O terceiro momento tradicional, adaptado aos tempos atuais, foi o juramento à bandeira, executado pela bombeira Andrea Hall, simultaneamente falando e usando a línguagem gestual.
Seguiu-se um momento muito aguardado, o juramento da primeira mulher eleita para a Vice-presidência, Kamala Harris, feito sobre uma Bíblia segurada pelo marido.
Foi empossada pela juíza do Supremo Tribunal de Justiça, Sonia Sotomayor, a primeira Juíza de origem latino-americana daquele tribunal.
O novo momento musical ficou a cargo da cantora Jenifer Lopez, que cantou “This Land is Your Land” e “America The Beautiful”. No meio pediu em espanhol: “”Uma nação, sob Deus, indivisível, com liberdade e justiça para todos”.
O juramento de Joseph R. Biden Jr. foi feito sobre uma volumosa Bíblia centenária da família, nas mãos da Drª Jill Biden. Foi empossado pelo Chefe do Supremo Tribunal de Justiça, o Juiz John Roberts, a uma distância segura.
O primeiro discurso do 46º presidente dos Estados Unidos durou cerca de vinte minutos. Com uma mensagem muito motivante, de grande humanismo e sentido de honra, apelando à unidade da grande nação norte-americana e prometendo dedicar-se de corpo e alma a esta tarefa nos próximos tempos, foi diversas vezes interrompido por aplausos.
Seguiu-se o cantor de música country Garth Brooks, que interpretou magistralmente o tema “Amazing Grace” e que, antes de abandonar a tribuna, provocou uma gargalhada geral ao abraçar literalmente todos os antigos Presidentes norte-americanos presentes.
Entrou então na tribuna a jovem poetisa laureada, Amanda Gormarn, com um vistoso casaco amarelo da Prada e brincos de ouro oferecidos pela conhecida apresentadora televisiva Oprah, que se dirigiu ao púlpito onde recitou, de forma espetacular, o seu magistral poema “The Hill We Climb”, escrito após os tumultos e dirigido à nova geração, que é o futuro dos EUA.
Seguiu-se uma bênção feita por um pastor protestante, Reverendo Silvester Beaman. Nas repúblicas europeias e até em algumas monarquias, como a espanhola, os símbolos religiosos foram retirados das cerimónias públicas. Em Portugal jura-se sobre a Constituição, mas a Bíblia continua a ser o livro sagrado sobre o qual são feitos os juramentos em diversas repúblicas do continente americano.
O momento final foi a retirada em cortejo das bandeiras do alto do varandim do Capitólio, antes da saída das altas entidades pela ordem protocolar inversa á da entrada. Ou seja, saíram primeiro os mais importantes, seguidos dos outros por ordem de precedência: Presidente Biden, vice-Presidente Harris, etc.
Após a cerimónia, o antigo Vice-presidente Mike Pence e a Mulher tiveram a honra de ser acompanhados pela nova Vice-presidente e pelo Marido até à escadaria do Capitólio, onde se despediram, assim cumprindo protocolarmente a transição de poderes.
Este guião protocolar ancestral foi apenas alternado pela ausência do anterior presidente que se recusou a participar na cerimónia democrática da transição de poderes.
De regresso ao edifício na Sala presidencial, a vice Presidente assistiu à assinatura pelo Presidente Joe Biden de uma série de documentos, incluindo a nomeação dos membros do seu novo gabinete, que em seguida tomaram posse de forma virtual.
Dirigiu-se depois à escadarias principal do Capitólio para juntamente com a nova vice-presidente, e respetivos cônjuges, fazerem uma Passagem em revista à distância das forças em desfile.
O presidente eleito Biden dirigiu-se então à Casa Branca num cortejo automóvel escoltado por representantes de todos os ramos das forças armadas.
A mini parada desta escolta incluiu algumas bandas militares “The US Army Band”, “Joint Service Honor Guard”, Commander-in-Chief’s Guard “, e a espectacular “Fife and Drum Corps”, a chamada “The Old Guard”, que é a banda militar da unidade de infantaria ativa mais antiga do Exército e que continua a usar os vistosos uniformes criados em 1784. 
Também desfilaram a banda da Universidade de Howard, onde a vice-Presidente se licenciou e a banda da Universidade de Delaware, onde Biden se licenciou, seguidos pela banda da Marinha.
Foi uma versão reduzida da habitual parada gigantesca, a que assistiam milhares de norte-americanos e que devido à pandemia foi substituída por uma Parada Virtual, com a participação de muitos artistas famosos, em diversos pontos dos EUA, sendo transmitida pelos canais de televisão norte-americanos.
Não sendo possível realizar o tradicional almoço no Congresso, não deixou de realizar-se a tradicional cerimónia militar da deposição de uma coroa de flores junto do túmulo do Soldado desconhecido, no cemitério de Arlington. Foi um momento carregado de simbolismo, a que assistiram três antigos presidentes e cônjuges, nomeadamente Bill Clinton, George W.Bush e Obama. Pela primeira vez a deposição (simbólica) da coroa de flores foi feita também por uma mulher, a Vice-presidente Haris, dando a direita ao presidente Biden.
E, com esta cerimónia de homenagem a todos os soldados que deram a sua vida pela Pátria, terminou a parte protocolar do primeiro dia do mandato do presidente Jorge Biden.
Em nossa opinião, este dia teve um protocolo magistral e quase invisível, que conseguiu equilibrar regras e símbolos, tradição e modernidade, música e liturgia, costumes e multiculturalidade. Um protocolo que gerou confiança e esperança no futuro.
O guião protocolar foi escrito de modo a criar uma narrativa coerente, em cada gesto, palavra ou imagem contribuía para uma encenação de poder inesquecível. Nada foi deixado ao acaso para que, mesmo virtualmente, todos os norte-americanos se sentissem, motivados para continuarem a escrever a História da sua Nação. Foi um momento memorável e para quem conhece os códigos do protocolo, foi óbvio que estes rituais ancestrais tinham como objetivo fundamental unir uma nação que se encontra tão dividida ideologicamente. Um desafio que esperamos se torne realidade em breve.
Artigo escrito em 21 de Janeiro de 2021 por Isabel Amaral e Miguel Macedo para a APorEP